O teólogo Adolph von Harnack, no clássico «A missão e a expansão do cristianismo nos
três primeiros séculos», publicado em Berlin, em 1924, já
estabelecia um nexo explícito entre missão e Igreja local, ao afirmar que o
ponto de partida da missão é sempre uma Igreja local, com característica
próprias que envia seus membros a pregar o evangelho, e o ponto culminante é o
surgimento de uma nova Igreja local, feita de pessoas, símbolos e preocupações
próprias da nova terra, uma comunidade com características próprias – liturgia,
espiritualidade, teologia, disciplina – era o ponto de chegada e o coroamento
do esforço missionário.
Olegário González de
Cardedal assim dispõe, ao comentar a obra de Harnack: «A pregação cristã na sua origem tendia
evidentemente a anunciar o ocorrido com Jesus de Nazaré, como havia proclamado
a chegada do Reino de Deus, como havia sido crucificado pelas autoridades e
logo ressuscitado por Deus e como Deus outorgava o perdão dos pecados aos que
nele acreditavam. A fé era adesão aos que haviam acreditado; com isso aumentava
o número dos eleitos, acresciam novos membros à Igreja, esposa celeste do
cordeiro, completava-se o corpo de Cristo. “No entanto, esta pregação, desde o
princípio, fundou comunidade na terra e se propôs como objetivo formar um grupo
com os que acreditaram em Cristo” (A. von Harnack, 1. c., 445). As comunidades
que surgem se parecem, num primeiro momento, ao que são as sinagogas e
comunidades judaicas no Mediterrâneo e, em pate, às escolas dos filósofos. Em
seguida se percebe a clara diferença a respeito de todas elas, pela realidade
teológica que as anima, pela vida crística que da qual vivem e a que se
conformam; pela experiência pneumática que as sustenta, pela solidariedade
absoluta entre seus membros e, finalmente, pela nova moral que praticam»
(O. G. de Cardedal, Génesis de
una teología de la Iglesia local…, p. 55-56).
São dois os motivos que
diferenciam a ação missionária cristã dos outros grupos:
1) a integração
teológica na Igreja universal, na Igreja de Deus, comunidade de salvação criada
por Deus em Cristo e no Espírito Santo e
2) a constituição de
uma comunidade local, concreta, na qual a pertença concede uma nova identidade
ao sujeito e uma nova compreensão da sua passagem pelo mundo.
Assim tudo o que se
abraçava da Igreja de Deus, corpo de Cristo e templo do Espírito Santo não era
uma realidade abstrata, distante, mas algo concreto, palpável, acessível na
comunidade de Corinto (Grécia), de Salamanca (Espanha), da Guarda (Portugal),
da Campanha (Brasil). Harnack chama a isto de «admirável concepção prática estabelecer correspondência
entre a Igreja universal, como comunidade ideal e a comunidade particular, de
forma que o que valia daquela também se pudesse dizer desta: a comunidade de
Corinto, de Éfeso etc., é a comunidade de Deus» (A. von Harnack, 1.
c., 448). Realidade teológica e solidariedade histórica estavam unidas, cada
pessoal era algo sagrado para Deus e absoluto para os irmãos. Este sentido
absoluto de pertença individual, este existir para alguém concreto com
dignidade com dignidade inquestionável, de não estar perdido na solidão do
deserto, mas saber-se importante para Deus na medida em que experimento o amor
real de uma comunidade foi o fermento de conversão nas origens do cristianismo.
O historiador
André-Jean Festugière, afirma: «Este
é o fato novo, a novidade total do cristianismo. Isto é o que comoveu os
corações. Isto é o que converteu. Não a palavra, mas o exemplo. Ou melhor, a
verdade da palavra provada pelo exemplo. As sublimidades da doutrina passavam,
sem dúvida, pelo alto da cabeça, como ainda passam. Mas, eles viam o espetáculo
desta caridade incessante e se beneficiavam dele. Se isto não tivesse existido
o mundo ainda seria pagão. E no dia em que já não exista, o mundo voltará a ser
pagão» (A. Festugière, La
esencia de la tragedia griega, Barcelona 1986, pp. 92-93).
E eu pergunto: não
estará aí a causa do nosso fracasso missionário? Anunciamos a correta verdade
teológica, mas não edificamos verdadeiras comunidades concretas, locais,
palpáveis, que expressem o valor de cada pessoa que nela toma parte.
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