21/11/1964 – 21/11/2014
«No vocabulário eclesiástico, o termo “constituição” é reservado para
textos que expõem e discutem verdades doutrinárias. O atributo “dogmática”
eleva a “constituição” ao mais alto grau de importância: esse tipo de documento
expõe uma doutrina que tem valor normativo para a fé da Igreja. Em outras
palavras, uma “constituição dogmática” apresenta a doutrina da Igreja
concernente a determinada questão, uma doutrina que os católicos devem aceitar
como autêntica e não-questionável em seus pontos fundamentais»[1].
A Igreja a 50 anos da «Lumen Gentium»
a) O Concílio Vaticano II a
50 anos
Foi em 25
de janeiro de 1959, que o Papa S. João XXIII, na Basílica de São Paulo
Extramuros, anunciou que convocaria um Concílio no Vaticano, o segundo. A
Igreja estava desejosa de aproximar-se de cada homem para dialogar e afrontar os
desafios do mundo moderno. A abertura deste Concílio aconteceu a 11 de outubro
de 1962, e sua clausura, a 8 de dezembro de 1965.
O fruto
deste trabalho possibilitou à Igreja uma renovada confiança para sair de si mesma,
transmitindo, com isso, um grande tesouro: a renovação litúrgica, o ecumenismo,
o diálogo com os não crentes, a primazia da Sagrada Escritura, etc. Esta
riqueza permite compreender que o Concílio Vaticano II não é a soma de documentos,
mas uma «herança viva» que ilumina a comunidade cristã e a vida cotidiana de
cada crente[2].
Por isso, se pode dizer que, se o Concílio teve sua abertura e clausura, não teve
sua conclusão porque é o que a Igreja segue celebrando e vivendo.
b) A «Lumen Gentium»:
Igreja, que dizes de ti mesma?
A
Constitução Dogmática «Lumen Gentium» é um dos documentos que está no centro do
Concílio. No entanto, não se pode descuidar do elo que tem com os outros textos
magisteriais. Por exemplo, na «Lumen Gentium» não se faz muita alusão à relação
que existe entre a Igreja e a Palavra de Deus ou a Igreja e a Eucaristia,
porque estes temas vêm desenvolvidos na «Dei Verbum» e na «Sacrosanctum
Concilium».
Pois bem,
um importante passo que se gesta com a «Lumen Gentium» é a nova forma de pensar
a Igreja. Com efeito, antes do Concílio, a Igreja era compreendida na forma de
uma pirâmide: a base estava formada pelos leigos e o vértice correspondia ao
Papa. Depois do Concílio, a Igreja passa a ser pensada em forma circular: no
centro está Cristo e ao seu redor todos os cristãos, com tarefas diversas
segundo o serviço dentro do Povo de Deus, mas com a mesma dignidade e
corresponsabilidade[3].
De fato, o
capítulo 2, sobre o Povo de Deus, sublinha esta lógica, juntamente com o
sentido de «comunhão»: Todos os batizados são destinatários da ação salvífica do
Pai, que congrega em seu Filho por meio do Espírito. Esta mudança de mentalidade
e de vocabulário recupera o tema do «sacerdócio comum dos fiéis» que havia sido
esquecido desde o Concílio de Trento. O giro eclesiológico estipula ainda que
os ministérios e os ministros estão a serviço dos demais.
c) O desafio: a Igreja que
deixa de ser "senhora" para fazer-se serva.
O
Concílio sendo um momento de comunhão da Igreja com o mundo e a história, mostra
que seu centro está no mistério de Cristo. A Igreja sob este paradigma se apresenta
como «serva», enquanto é discípula e missionária, participando das dores,
alegrias, esperanças e cansaços de cada um de seus membros, em especial dos mais
pobres[4]. Esta
é a imagen de uma Igreja encarnada, que caminha na e com a história
permanecendo sempre a Igreja de Cristo. Ante uma humanidade em contínua e
rápida transformação global, a Igreja leva em conta as novidades para dar as
respostas adequadas desde a luz de Cristo[5].
Sem dúvida
que este perfil de uma Igreja que se faz servidora, é o maior desafio, do qual
subjazem diversos outros desafios. Por exemplo, promover a formação dos leigos
para uma autêntica participação ao interno (ad intra) e externo (ad extra) da
Igreja, como sinal mais eloquente da fé que se traduz na vida; saber escutar a
voz do homem flagelado por uma cultura consumista, egoísta e líquida (sem
fundamento nos autênticos valores) para poder dar respostas com ações formadas
desde a caridade de Cristo, superando a omissão (uma Igreja indiferente), o assistencialismo
(uma Igreja paternalista) e o espiritualismo (uma Igreja desencarnada):
«A Igreja
continua sua peregrinação "em meio das perseguições do mundo e dos
consolos de Deus", anunciando a cruz e a morte do Senhor até que ele volte
(cf. 1Cor 11,26). Se sente fortalecida com a força do Senhor ressuscitado para
poder superar com paciência e amor todos os sofrimentos e dificuldades, tanto
interiores como exteriores, e revelar no mundo o mistério de Cristo, ainda que entre
sombras, mas, com fidelidade até que no final se manifeste a plena luz»[6].
[1] C.
M. D. DA SILVA, O impulso bíblico
no Concílio. A Bíblia na Igreja depois da Dei Verbum, Revista PUCRS, Porto Alegre, nº 151, Março 2006, p. 25-53.
[2] BENTO
XVI, Porta Fidei 5.
[3] R. BLÁZQUEZ PÉREZ, «El Concilio Vaticano II: significado actual
para la Iglesia», 48; em V. VIDE – J. R. VILLAR (eds.), El Concilio Vaticano II. Una perspectiva
teológica, Espanha 2013.
[4] J. PLANELLAS , La Iglesia de los pobres en el Concilio
Vaticano II, Espanha 2014, 77.
[5] P. E. LÈGER , La thèologie du renouveau I, Paris 1968,
10.
[6] Lumen
Gentium 8.
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