Nestes
dois últimos domingos do tempo pascal a liturgia nos apresentou a alegoria da vinha.
Nela, Jesus afirma ser ele o tronco da videira; nós, os ramos e o Pai, o
agricultor que plantou esta videira (cf. Is 5,1-2), dela cuida e espera que ela
produza os devidos frutos: «Nisto meu Pai
é glorificado, que deis muito fruto…» (Jo 15,8a).
Se
nos lembrarmos que no IV Domingo da Páscoa ouvimos a alegoria do Pastor e do seu
rebanho, podemos aqui afirmar que a proposta de Jesus se intensifica para nós.
Ou seja, nós que outrora éramos chamados a ser ovelhas do rebanho de Cristo,
sendo por ele conhecidas e conhecendo a sua voz e seguindo-a, agora somos
chamados a uma união mais íntima, existencial, diria, ontológica (essencial, no
nível do ser). Se pastor e ovelha jamais serão uma única realidade, mas sempre
serão distintos; troco e ramos jamais serão distintos, pois a separação implica
que o ramo na viva, mas seque e seja lançado ao fogo. Ou seja, Jesus nos revela
que a nossa vida depende na sua existência da nossa união com Ele. Não basta o
relacionamento de conhecimento e obediência, próprios do pastor e seu rebanho;
é preciso uma união mais profunda que possibilite a transmissão da mesma seiva
de vida que alimenta o tronco aos ramos, para que neles essa mesma seiva gere
os frutos esperados pelo divino agricultor.
E, qual é esta
seiva? Ou, quem é esta seiva? Se percebemos bem, o Pai é o agricultor; o Filho
é o tronco da vide; resta-nos o Espírito Santo. É ele a seiva, a motivação, a
energia vital que do tronco nos é dada, a nós seus ramos, para que a mesma vida
de Jesus Cristo dê-nos vida e faça-nos produzir os mesmos frutos que Jesus
produziu. Porém, para que haja a transmissão dessa seiva vital faz-se
necessária a estreita união do ramo ao tronco. Ou, dito de outra forma, talvez
mais perfeita: para que o tronco transmita ao ramo essa seiva que dá vida e faz
produzir frutos, o ramo não pode admitir mínima separação do tronco, não pode
haver rompimento, rachaduras, obstáculos.
Mas, então,
como é que permanecemos unidos a Jesus Cristo? Ele mesmo nos ensina: «Permanecei no meu amor» (Jo 15,9b).
Esta é a forma de permanecermos unidos a Ele: amando como ele amou.
Esta alegoria,
narrada no capítulo 15 do Evangelho de São João, encontra-se no ambiente da
última ceia de Jesus com seus apóstolos, quando ele, «sabendo que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai e
tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim» (Jo 13,1),
sintetizou todo o seu ensinamento num único mandamento: «o que vos mando é que vos ameis uns aos outros» (Jo 15,17), «que vos ameis uns aos outros como eu vos
amei» (Jo 15,12). A partir deste momento, não basta que amemos os outros
como a nós mesmos, pois o nosso amor pode ser imperfeito e isso nos
desobrigaria de amar. Tendo o amor de Cristo como medida para o nosso amor,
obrigamo-nos a uma amor perfeito.
E,
como é, então, amar como Jesus amou? O amor de Cristo vai em duas direções:
amar a Deus, o Pai e amar o próximo. Jesus nos revela na alegoria da vinha que
amar a Deus é observar seus mandamentos, pois ele mesmo amou o Pai obedecendo
em tudo a sua vontade (cf. Jo 15,10) e assim redimiu a desobediência de Adão (cf.
Rm 5,19), ruptura que impedira a comunicação da seiva divina. Amar a Deus é,
portanto, viver o seu ensinamento transmitido a nós na Palavra, e nela
especialmente em Jesus Cristo; na Tradição e no Magistério da Igreja,
continuação do corpo de Cristo no mundo. Só há amor onde há obediência. A
obediência é a expressão do amor a Deus que se espera de nós.
E ao
próximo. O que é concretamente amar o próximo? O amor dirigido ao outro é
precisamente a capacidade de colocar o outro, seja ele quem for, até mesmo o
inimigo, em primeiro plano, relegando assim as nossas vontades, os nossos
desejos, o nosso bem-estar, a nossa realização, o nosso prazer ao segundo,
senão ao último lugar. Enquanto reinar em nós o egoísmo, ou seja, o contrário
do amor ao próximo, a primazia do eu, do meu… não amaremos ainda o próximo como
Jesus nos amou. Ele é a prova de que Deus colocou-nos em primeiro lugar, como
prioridade absoluta, pois entregou o seu Filho único à morte para nos salvar.
Aqui está a definitiva prova de amor!
Por
fim, é importante ainda que compreendamos que o nosso amor será sempre resposta
ao amor primeiro, de Deus. Ele nos amou primeiro e por amor nos criou, por amor
nos salvou e por amor nos santifica. A nós resta responder amando, agradecidos
a esse amor primeiro, e pelo amor unindo-nos estreitamente ao Cristo para
produzirmos os frutos esperados por Deus, o Pai.
Como
rezamos todos os dias na ação de graças após a comunhão, peçamos hoje mais uma
vez: Ó Jesus, «não permitais que eu me
separe de Vós».
Nenhum comentário:
Postar um comentário