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quarta-feira, 28 de março de 2012

Eco da Palavra – V Dom. da Quaresma (25/03/2012) – Jo 12,20-33

            Neste 5º domingo da Quaresma, a liturgia visa nos preparar para o que viveremos no próximo domingo, o 6º, também chamado “Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor”. Normalmente, damos mais importância aos ramos, mas precisamos notar que no ciclo dominical esse domingo corresponde ao que é a Sexta-feira da Paixão para o ciclo semanal ou ferial. Portanto, estamos nos preparando para a Paixão do Senhor, sua prisão, condenação e morte redentora. Sabemos, porém, que esse evento causou nos apóstolos, embora o Senhor os tenha preparado, um grande desespero. Eles se dissiparam e só João acompanhou todo o processo. Nós também corremos o mesmo risco de, ao celebrarmos a paixão, nos dias que se aproximam, ao invés de alimentarmos nossa fé e nosso amor a Jesus, a seu Pai e a seu projeto, dissiparmo-nos, desligar-nos da fé e do projeto de Deus. Por isso é preciso preparar-nos. Mas, preparar-nos como? Compreendendo a lógica de Deus. É isso que a liturgia desse 5º domingo nos apresenta.
            O Evangelho começa com o pedido dos peregrinos gregos a Filipe, que é de Betsaida, uma aldeia de pescadores onde havia nascido também Pedro e André: “gostaríamos de ver Jesus” (Jo 12, 21). Ver aqui não é simplesmente olhar. Filipe poderia ter respondido: olhem lá, é Ele. E já o teriam visto. Mas ver aqui expressa o desejo de conhecer, de conviver e até mesmo de seguir Jesus. Filipe que era apóstolo de Jesus poderia muito bem ter ido falar com ele, mas S. João diz que ele foi falar com André. André é precisamente em grego “Andrós” que significa homem, humano. Ou seja, com isso S. João nos mostra que o desejo de conhecer a Deus está cravado intrinsecamente no coração do ser humano, é antropológico. E é pelo humano, pelo conhecimento do homem Jesus de Nazaré que se chega ao conhecimento de Deus. O ser humano está necessariamente no meio do caminho do conhecimento e3 da revelação de Deus. Não há convivência e seguimento de Jesus Cristo se negarmos a humanidade nossa e dele. É pois, com André que Filipe vai apresentar a Jesus o pedido dos peregrinos gregos (cf. Jo 12,22).
Num primeiro momento podemos pensar que Jesus deixou tanto Filipe e André como os peregrinos gregos sem resposta e mudou de assunto, pois ele passa a falar da sua paixão que se aproxima. Mas, não é assim. Essa é a resposta de Jesus. É como se ele dissesse: quem quer me conhecer, conviver comigo e seguir-me terá que fazê-lo na paixão, na cruz, na dor. É no sofrimento que se prova aqueles que me seguem, pois o sofrimento mostra qual é a lógica em que vive o ser humano, se na lógica egoísta ou na lógica da entrega, da doação, do esvaziamento.
Conhecer Jesus não é uma questão apenas de informação, de ter notícias sobre Ele. Conhecer Jesus passa pela convivência com Ele. Convivência que deve se estreitar na paixão, no seu sofrimento. Convivência que tem que levar o discípulo, necessariamente, a entrar na sua lógica, na lógica de Deus. E qual é a lógica de Deus? É a lógica do amor. É a lógica da doação total de si a Deus pelo outro. “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto” (Jo 12, 24). “É dando que se recebe, é morrendo que se vive”, dirá a oração inspirada em São Francisco. Só o amor nos torna capazes da doação total. Só dá a vida quem ama. Por isso, a lógica de Deus é a lógica do amor, oposta frontalmente à lógica do pecado, do egoísmo, à lógica egocêntrica do “eu tenho direito de ser feliz” que se coloca como centro de tudo e de todos. “Quem se apega à sua vida, perde-a” (Jo 12,25), afirma o evangelho.
E é precisamente por ser a lógica do amor que o Profeta Jeremias, na primeira leitura, dizia: “Esta será a aliança que concluirei com a casa de Israel, depois desses dias, — diz o Senhor: — imprimirei minha lei em suas entranhas, e hei de escrevê-la em seu coração” (Jr 31,33). A nova lei, a nova aliança prevista pelo profeta, realizada em Jesus Cristo e dada a nós como desafio para a vida, como cantaremos em breve “eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros assim como eu vos amei, diz o Senhor” (Jo 13,34-35), será escrita no coração, na sede do amor porque é questão de amor e não de obrigação.
Aliás a nossa tão discutida liberdade foi-nos dada precisamente por isto. Deus nos criou livres, á sua imagem, para que fôssemos capazes de amar. A liberdade é condição “sine qua non” para o amor. Se não há liberdade, não haverá amor. Ninguém ama obrigado.
Concluo chamando a atenção para o fato de não atrairmos mais os nossos irmãos com o nosso testemunho. Será que não nos falta esse amor que “elevado da terra atrai todos a si” (cf. Jo 12,32). Não será a nossa prática religiosa ainda uma lei, uma obrigação a cumprir e não um ato de amor? O amor nasce como resposta quando nos percebemos amados. E Deus nos amou. Entregou seu próprio filho para dar a vida por nós. Resta-nos, conscientes desse amor absurdamente apaixonado por nós, amar também e tudo fazer por amor.

Um comentário:

  1. Bela explicação padre Jean, as vezes acho que tem tanta gente fazendo tanta coisa na igreja por mera obrigação, amor à Deus parece nem existir no coração de certas pessoas...

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