Depois de lermos os Sermões da Montanha (Mt 5-7), Apostólico ou Missionário (Mt 10) e Parabólico (Mt 13), agora estamos no quarto grande sermão do Evangelho de Mateus: o Sermão ou Discurso Eclesiológico (Mt 18), onde o evangelista compila os ensinamentos de Jesus sobre a vida na comunidade eclesial.
Domingo passado o ensinamento era sobre a co-responsabilidade dos batizados quanto à salvação. Jesus nos ensinou a fazer todo o possível para que os irmãos que erram retomem o bom caminho, o caminho da salvação. E o profeta Ezequiel nos alertou para não nos omitirmos, pois isto poderia complicar a nossa própria salvação (Cf. Ez 33,7-9).
Nesta semana, Jesus nos dá mais um ensinamento quanto à nossa convivência eclesial: é sobre o PERDÃO.
Perceba de início que ambas as questões postas por Jesus (a correção fraterna, no domingo passado e o perdão, neste domingo) estão baseadas na nossa falibilidade, no fato de que somos falhos e precisamos corrigir e ser corrigidos, perdoar e ser perdoados.
Pedro interroga Jesus sobre quantas vezes devemos perdoar e Jesus responde: sempre. Muitas vezes as pessoas nos procuram contando uma enorme história para, no final, também nos perguntar: será que eu tenho mesmo que perdoar? E a resposta é a mesma de Jesus: sim, você deve perdoar sempre. Não há história que você me conte que justifique o seu ódio ou a falta de perdão. Mas, por quê? Porque somos devedores.
Jesus contou no evangelho uma parábola que é a nossa parábola. Nós somos eternamente devedores de Deus. Ele nos deu tudo e mesmo que gastemos toda a nossa vida em pura gratidão a ele, mesmo assim, não conseguiremos pagar por tudo que ele nos deu e nos dá. E, além disso, é a Ele que mais agravamos com os nossos pecados, o que nos torna ingratos. Somos ingratos endividados. De tal forma que mesmo que alguém nos tenha feito um mal terrível, isto ainda é pequeno demais diante da nossa dívida.
Duas atitudes fazem, muitas vezes, a nossa vida tornar-se pesada:
1) Quando somos ofendidos ou alguém nos faz algum mal, olhamos aquilo como se fosse “o fim do mundo”, as trevas, a maior ofensa possível etc, mas na verdade não passa de “um centavo”. O segredo é distanciar-nos da situação. Uma moeda de um centavo, se colocada bem perto do olho, trará mesmo as trevas, parecerá enorme. Mas, se nos distanciarmos dela ao menos um pouquinho ela tomará a sua devida proporção. Um mosquito, olhado no microscópio parecerá um mostro, mas se nos distanciarmos dele, veremos que não passa de um mosquito. O que sofremos não é comparável à nossa dívida.
2) Muitas vezes carregamos o mundo em nossos ombros, predemo-nos a situações que já se perderam no passado, e num longínquo passado. Quantas vezes ouvi pessoas que não conseguiram perdoar ou pedir perdão a uma pessoa que já morreu há 30 anos. Não é preciso carregar o mundo nas costas e andar curvados, olhando sempre para baixo. É preciso ter coragem de sacudir o corpo e deixar para trás o que pertence ao passado. O perdão é uma atitude presente que nos livra do peso do passado.
Agora, dois esclarecimentos sobre o perdão:
1) Perdão não é sentimento. Há pessoas que dizem: “eu não sinto nada para perdoar, continuo magoada, com raiva”. E não sentirá mesmo, a raiva poderá até continuar e também a mágoa, porque o perdão não é um sentimento. É uma atitude, uma opção que fazemos, uma decisão que tomamos. Perdoar é decidir-se. É decidir continuar amando, apesar do pecado, do erro, do mal que me foi feito. Perdoar é fazer justiça ao outro que nos fez o bem inúmeras vezes, mas uma vez errou. E, na maioria das vezes, nós o tratamos pelo único erro e não pelos inúmeros acertos. Perdoar é decidir amar.
2) “Eu perdôo, mas não esqueço”. Aquilo que você já esqueceu, não precisa perdoar, pois não foi significativo para você e por isso nem se lembra. Você precisa perdoar é justamente aquilo de que se lembra e não será na hora em que você tomar a decisão de perdoar que você vai se esquecer da ofensa recebida. Você ainda se lembrará muitas vezes. E toda vez que se lembrar terá que renovar a decisão de amar. Até que, algum tempo depois, aquela ferida será curada e então você não mais se lembrará. Mas, não se preocupe com a lembrança. O importante é decidir-se, assumir uma atitude com seriedade. Perdoar não é esquecer, é lembrar com amor.
Por fim, lembremos o que disse o livro do Eclesiástico: “ O rancor e a raiva são coisas detestáveis. Até o pecador procura dominá-las” (Eclo 27,33). Quanto mais você e eu, cristãos batizados,que temos por vocação cultivar as mesmas atitudes de Jesus Cristo que no alto da cruz rezou: “Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem” (Lc 23,34).
A palavra perdão é uma palavra que nos cura, liberta. Gostei muito.
ResponderExcluirPadre Jean, saudação.
ResponderExcluirQuem não irriga seu coração de compaixão não ve brotar o perdão.
Vincent. Alfenas