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domingo, 3 de julho de 2011

Escola de Oração: VII – Aprendendo a orar com os Salmos – Bento XVI – Catequese do dia 22/06/2011

Nas catequeses anteriores, vimos algumas figuras do Antigo Testamento, particularmente significativas, em nossa reflexão sobre a oração. Falei sobre Abraão, que intercede pelas cidades estrangeiras; sobre Jacó, que, na luta noturna, recebe a bênção; sobre Moisés, que invoca o perdão sobre o povo; e sobre Elias, que reza pela conversão de Israel. Com a catequese de hoje, eu gostaria de iniciar uma nova etapa do caminho: ao invés de comentar episódios particulares de personagens em oração, entraremos no “livro da oração” por excelência, o Livro dos Salmos. Nas próximas catequeses, leremos e meditaremos alguns dos salmos mais belos e mais apreciados pela tradição orante da Igreja. Hoje, eu gostaria de introduzir esta etapa falando do Livro dos Salmos em seu conjunto.


O Saltério
O Saltério se apresenta como um “formulário”de orações, uma seleção de 150 salmos que a tradição bíblica oferece ao povo dos crentes para que se converta em sua (nossa) oração, nosso modo de dirigir-nos a Deus e de relacionar-nos com Ele. Neste livro, encontra expressão toda a experiência humana, com suas múltiplas facetas, e todo o leque dos sentimentos que acompanham a existência do homem. Nos Salmos, entrelaçam-se e se exprimem alegria e sofrimento, desejo de Deus e percepção da própria indignidade, felicidade e sentido de abandono, confiança em Deus e dolorosa solidão, plenitude de vida e medo de morrer. Toda a realidade do crente conflui nestas orações, que o povo de Israel primeiro e a Igreja depois assumiram como meditação privilegiada da relação com o único Deus e resposta adequada em sua revelação na história. Quanto à oração, os salmos são a manifestação do ânimo e da fé, nos quais se pode reconhecer e nos quais se comunica esta experiência de particular proximidade de Deus, à qual todos os homens estão chamados. E é toda a complexidade da existência humana que se concentra na complexidade das diversas formas literárias dos diferentes salmos: hinos, lamentações, súplicas individuais e coletivas, cantos de agradecimento, salmos penitenciais e outros gêneros que podem ser encontrados nestas composições poéticas.

Dois âmbitos: súplica e louvor
Apesar desta multiplicidade expressiva, podem estar identificados dois grandes âmbitos que sintetizam a oração do Saltério: a súplica, conectada com o lamento, e o louvor, duas dimensões correlacionadas e quase inseparáveis. Porque a súplica está motivada pela certeza de que Deus responderá, e este gesto abre ao louvor e à ação de graças; e o louvor e o agradecimento surgem da experiência de uma salvação recebida, que supõe uma necessidade de ajuda que a súplica expressa. Na súplica, o salmista se lamenta e descreve sua situação de angústia, de perigo, de desolação ou, como nos salmos penitenciais, confessa a culpa, o pecado, pedindo para ser perdoado.
Ele expõe ao Senhor seu estado de necessidade, na certeza de ser escutado, e isso implica um reconhecimento de Deus como bom, desejoso do bem e “amante da vida” (cf. Sb 11, 26), preparado para ajudar, salvar, perdoar. Assim, por exemplo, reza o salmista no salmo 31: “Em ti, Senhor, me refugiei, jamais eu fique desiludido. (…) Livra-me do laço que me armaram, porque és minha força” (v. 2.5). Já no lamento, portanto, pode surgir algo do louvor, que se preanuncia na esperança da intervenção divina e se torna depois explícito quando a salvação divina se converte em realidade. De modo análogo, nos salmos de agradecimento e de louvor, recordando o dom recebido ou contemplando a grandeza da misericórdia de Deus, reconhece-se também a própria pequenez e a necessidade de ser salvos, o que é a base da súplica. Assim, confessa-se a Deus a própria condição de criatura inevitavelmente marcada pela morte, ainda que portadora de um desejo radical de vida. Por isso, o salmista exclama, no salmo 86: “Eu te darei graças, Senhor, meu Deus, de todo o coração, e darei glória a teu nome sempre, porque é grande para comigo o teu amor; do profundo dos infernos me tiraste” (v.12-13). De tal modo, na oração dos salmos, a súplica e o louvor se entrelaçam e se fundem em um único canto que celebra a graça eterna do Senhor que se inclina diante da nossa fragilidade. Exatamente para permitir ao povo dos crentes que se unam neste canto, o Livro dos Salmos foi dado a Israel e à Igreja. Os salmos, de fato, ensinam a rezar. Neles, a Palavra de Deus se converte em palavra de oração – e são as palavras do salmista inspirado –, que se torna também palavra do orante que reza os salmos. É esta a beleza e a particularidade deste livro bíblico: as orações contidas nele, ao contrário de outras orações que encontramos na Sagrada Escritura, não se inserem em uma trama narrativa que especifica o sentido e a função. Os salmos são oferecidos ao crente como texto de oração, que tem como único fim o de converter-se na oração de quem o sassume e com eles se dirige a Deus. Porque são Palavra de Deus, quem reza os salmos fala a Deus com as mesmas palavras que Deus nos deu; dirige-se a Ele com as palavras que Ele mesmo nos dá. Assim, rezando os salmos, aprendemos a rezar. Eles são uma escola de oração.

Para que aprendamos a dirigir-nos a Deus
Algo análogo acontece quando a criança começa a falar: aprende a expressar suas próprias sensações, emoções, necessidades, com palavras que não lhe pertencem de modo inato, mas que aprende dos seus pais e dos que vivem com ela. O que a criança quer expressar é sua própria vivência, mas o meio expressivo é de outros; e ela, pouco a pouco, se apropria desse meio; as palavras recebidas dos seus pais se tornam suas palavras e, através das palavras, aprende também uma forma de pensar e de sentir, acede a um mundo inteiro de conceitos e cresce com eles, relaciona-se com a realidade, com os homens e com Deus. A língua dos seus pais finalmente se converte em sua língua; fala com palavras recebidas de outros que, nesse momento, se converteram em suas palavras. Assim acontece com a oração dos salmos. Eles nos são dados para que aprendamos a dirigir-nos a Deus, a comunicar-nos com Ele, a falar-lhe de nós com as suas palavras, a encontrar uma linguagem para o encontro com Deus. E, por meio dessas palavras, será possível também conhecer e acolher os critérios da sua atuação, aproximar-se do mistério dos seus pensamentos e dos seus caminhos (cf. Is 55,8-9) e, assim, crescer cada vez mais na fé e no amor. Como nossas palavras não são somente palavras, mas nos ensinam um mundo real e conceptual, assim também estas orações nos mostram o coração de Deus, razão pela qual não só podemos falar com Deus, senão que podemos aprender quem é Deus e, aprendendo a falar com Ele, aprendemos a ser homens, a ser nós mesmos.

Tehillîm de Davi
Para este propósito, parece significativo o título que a tradução hebraica deu ao Saltério. Este é Tehillîm, um termo que quer dizer “louvor”; dessa raiz verbal vem a expressão “Halleluyah”, ou seja, literalmente “Louvai o Senhor”. Este livro de orações, portanto, ainda que seja multiforme e complexo, com seus diversos gêneros literários e com suas articulações entre louvor e súplica, é um livro de louvor, que nos ensina a agradecer, a celebrar a grandeza do dom de Deus, a reconhecer a beleza das suas obras e a glorificar seu Nome Santo. É esta a resposta mais adequada diante da manifestação do Senhor e da experiência da sua bondade. Ensinando-nos a rezar, os salmos nos ensinam que, também na desolação, na dor, a presença de Deus permanece, é fonte de maravilha e de consolo; podemos chorar, suplicar, interceder, lamentar-nos, mas com a consciência de que estamos caminhando rumo à luz, onde o louvor poderá ser definitivo. Como nos ensina o salmo 36: “Em ti está a fonte da vida e à tua luz vemos a luz” (Sl 36,10). Mas, além deste título geral do livro, a tradição hebraica colocou em muitos salmos títulos específicos, atribuindo-os, em sua maioria, ao rei Davi. Figura de notável relevância humana e teológica, Davi é um personagem complexo, que atravessou as mais diversas experiências fundamentais da vida. Jovem pastor do rebanho paterno, passando por alternadas e às vezes dramáticas experiências, ele se converte em rei de Israel, pastor do povo de Deus. Homem de paz, combateu muitas guerras; incansável e tenaz buscador de Deus, traiu o amor e isso é uma característica sua: sempre foi um buscador de Deus, ainda que tenha pecado gravemente muitas vezes; humilde e penitente, acolheu o perdão divino, também o castigo divino, e aceitou um destino marcado pela dor. Davi foi um rei – com todas as suas fraquezas – “segundo o coração de Deus” (cf. 1 Sam 13,14), ou seja, um orante apaixonado, um homem que sabia o que quer dizer suplicar e louvar. A relação dos salmos com este insigne rei de Israel é, portanto, importante, porque ele é uma figura messiânica, ungido pelo Senhor, alguém que, de alguma forma, antecipou o mistério de Cristo.

Os Salmos no NT
Igualmente importantes e significativos são a forma e a frequência com que as palavras dos salmos são retomadas no Novo Testamento, assumindo e destacando o valor profético sugerido pela relação do Saltério com a figura messiânica de Davi. No Senhor Jesus, que em sua vida terrena rezou com os salmos, eles encontram seu definitivo cumprimento e revelam seu sentido mais profundo e pleno. As orações do Saltério, com as quais se fala a Deus, nos falam d'Ele, nos falam do Filho, imagem do Deus invisível (Col 1,15), que nos revela completamente o rosto do Pai. O cristão, portanto, rezando os salmos, reza ao Pai em Cristo, assumindo estes cantos em uma perspectiva nova, que tem no mistério pascal sua última chave interpretativa. O horizonte do orante se abre, assim, a realidades inesperadas, todo salmo tem uma luz nova em Cristo e o Saltério pode brilhar em toda a sua infinita riqueza.
Irmãos e irmãs queridíssimos, tenhamos este livro santo nas mãos; deixemo-nos ensinar por Deus para dirigir-nos a Ele; façamos do Saltério um guia que nos ajude e nos acompanhe cotidianamente no caminho da oração. E peçamos, também nós, como discípulos de Jesus: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11,1), abrindo o coração e acolhendo a oração do Mestre, em quem todas as orações chegam à sua plenitude. Assim, sendo filhos no Filho, poderemos falar a Deus chamando-o de “Pai nosso”.

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