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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Eco da Palavra do XXIII Dom. do TC (09/09/2012) – Mc 7,31-37



Segundo a tradição cristã, o Evangelho de Marcos foi escrito recolhendo o ensino e a pregação de Pedro, o apóstolo. Um manuscrito de Papias (+ 155), referido por Eusébio de Cesaréia (265-339), afirma que Marcos, ou João Marcos, como ele é chamado pelos Atos dos Apóstolos (12,12-25; 13,5-13; 15,37), era o hermeneuta, ou seja, intérprete de Pedro, uma vez que o pescador da Galiléia provavelmente falava apenas o aramaico, língua corrente entre o povo daquela região.
Contudo, após a ressurreição, a missão de Pedro se estende para muito além da Galiléia, chegando inclusive á capital do Império, Roma, onde Pedro foi martirizado. A língua corrente no mundo, como linguagem intercultural era o grego, falado inclusive em Roma. Haja vista que a Carta aos Romanos fora escrita em grego e não em latim. E Pedro não falava grego. Logo, Marcos transmitia em grego a pregação de Pedro, feita em aramaico. E foi a partir desse seu ministério de interpretação que Marcos registrou no primeiro, mais antigo e menor dos evangelhos que hoje temos, o que ele conheceu de Jesus a partir da pregação de Pedro. E o fez, muitas vezes, mantendo palavras que Pedro usava com singular expressão, pois fora testemunha ocular e auricular do fato realizado por Jesus. Um desses exemplos é a expressão “éfata” contida no texto de hoje.
Antes de olharmos com maior atenção a cura realizado no Evangelho de hoje, consideremos o sujeito envolvido na cura.

Segundo o Evangelho, ele era surdo e falava com dificuldade (cf. Mc 7,32). Daqui depreendemos aquilo que a medicina atual afirma categoricamente. São raros os casos de “surdos-mudos”. A surdez não causa a mudez. As pessoas surdas têm todas as potencialidades para falar. Não falam porque nunca ouviram. Mudez é a incapacidade de falar por causa de alguma falha grave no aparelho fonador. Mudo é aquele que não emite som. Os surdos, normalmente, não são mudos. Não falam porque não ouvem.
Aqui já podemos tirar uma conclusão para a nossa vida espiritual, para o seguimento que fazemos de Nosso Senhor Jesus Cristo na nossa vida cotidiana: quem não escuta não pode falar. Quem não ouve a Palavra de Deus, não é capaz de falar de Deus com habilidade, com facilidade. Tendo isso como pressuposto entenderemos melhor a cura, mais espiritual do que física, de que trata o evangelho de hoje.
Jesus realiza, no versículo 33, três gestos simbólicos com aquele surdo:
1) “Levou-o à parte, longe da multidão”: esse gesto tem dois significados. Primeiro, somos únicos para Deus e ele nunca nos trata massivamente, como um bloco de gente, mas retira-nos do meio da massa, para demonstrar-nos pessoalmente o seu amor. Segundo, é necessário para quem quer ouvir a Jesus e dele falar, afastar-se da multidão, do barulho, do movimento e aceitar a proposta de intimidade pessoal com Jesus, por meio da oração, do diálogo com Ele;
2) “Jesus pôs os dedos nos seus ouvidos”: era preciso primeiramente abrir os ouvidos do surdo, pois ele nunca falaria se não ouvisse a voz de Jesus, sua Palavra;
3) “com a saliva tocou-lhe a língua”: esse gesto parece, no mínimo, anti-higiênico e perigoso para a saúde, mas percebamos que trata-se de uma atitude espiritual, antes de ser um gesto irresponsável de Jesus. Ao tocar a língua do surdo com a sua própria saliva, Jesus demonstra que se ouvirmos a sua Palavra, teremos em nossa língua o mesmo que ele tem em sua língua, em nossa boca o que ele mesmo tem em sua boca. Não falaremos sobre Deus, mas diremos a própria Palavra de Deus.
A Igreja viu na cura desse surdo um sinal fundamental para a vida do cristão. Ou seja, todo aquele que quer seguir Jesus Cristo precisa ter seus ouvidos abertos e sua língua tocada pela graça de Deus. Por isso, esta página do Evangelho transformou-se num rito batismal. Dentro da celebração do Batismo, o presidente toca os ouvidos e a boca do batizando e diz-lhe: “Éfata”, que quer dizer “abre-te” para ouvires a Palavra de Deus logo a proclamares com a vida.
Peçamos ao Senhor, que na Eucaristia está conosco tal qual esteve com aquele surdo que falava com dificuldade, que Ele nos afaste da multidão, toque os ouvidos e coloque sua saliva em nossa língua para que sejamos verdadeiros discípulos missionários seus.

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