Queridos(as)
amigos(as),
Na
Quarta-feira da Semana Santa deste ano (2019), refleti com a minha comunidade paroquial,
no Sermão da Soledade de Nossa Senhora – é um dos meus prediletos – sobre dois aspectos da nossa vida e morte.
Gostaria de partilhar com vocês, hoje, aqui, a primeira parte e o primeiro e
mais provocador aspecto.
Eis o texto da transcrição do sermão, feita pela amiga e companheira no trabalho da educação da fé, Lúcia Vieira Alfaro Dias, a quem agradeço penhoradamente:
Eis o texto da transcrição do sermão, feita pela amiga e companheira no trabalho da educação da fé, Lúcia Vieira Alfaro Dias, a quem agradeço penhoradamente:
«Nós
ouvimos no Evangelho de hoje Jesus dizer aos discípulos: “Ide à cidade, procurai um certo homem e dizei: O
mestre manda dizer que o
meu tempo está próximo e
vou celebrar a Páscoa em tua casa junto com os meus discípulos” (Mt 26,18).
E, tal como nós ouvimos o Evangelho do domingo de Ramos (Lc 19,28-40), o evangelista aponta que os discípulos
fizeram como Jesus mandou e prepararam.
No
domingo de Ramos, o
Evangelho já nos alertava que os discípulos contemporâneos de Jesus faziam aquilo que
Jesus mandava. Jesus mandou desamarrar o jumentinho e eles desamarraram o
jumentinho. Jesus os precaveu de que alguém perguntaria por que eles estão desamarrando o jumentinho
e disse o que eles deviam responder.
E eles responderam, literalmente,
aquilo que Jesus mandou e tudo se resolveu.
Hoje, Jesus manda os discípulos
procurarem por um certo homem e dizer a ele que o mestre manda dizer que vai
comer na casa dele a sua
última Páscoa. Os discípulos vão e cumprem exatamente aquilo que Jesus mandou. E
aí nós, então, somos
chamados a nos perguntar: o que é que Jesus nos manda hoje? Na missa da tarde, eu
refletia sobre isso com os idosos e os doentes, mas também com todos aqueles
que os acompanhavam. Nós precisamos, hoje, preparar a minha
última páscoa; nós precisamos, hoje,
preparar a nossa última páscoa.
Soledade – solidão pós-morte –
tem a ver com a morte. E, como nós estamos nos preparando para a nossa morte? Cada um de nós
tem que se perguntar em primeira pessoa, como é que eu estou me preparando para
a minha morte? Pois, é
ordem do Senhor, ir à
cidade. Nós já estamos na cidade. Procurar um certo
homem. Relacionarmo-nos uns com os outros e nesta vivência da cidade terrena
relacionando-nos uns com os outros, preparar a nossa última páscoa, quando Deus
nos levará para cidade eterna, quando Deus servirá para nós, na nossa última
Páscoa, o banquete da vida eterna.
Nós
estamos nos preparando, nós estamos pensando, rezando, refletindo, tomando
consciência de que nós não somos eternos? A cada irmão nosso que parte, a cada
funeral que nós vimos, a cada velório que nós vamos para nos solidarizar com a
família enlutada, Deus está nos chamando à atenção e nos dizendo: a
sua hora também vai chegar; você também vai passar pelos umbrais da morte, você
também terá que ultrapassar esta porta que chamamos morte para entrar na vida
eterna. E como é que você está se preparando?
O
seguimento de Jesus não é só uma preparação para a morte. Claro que não! Jesus não é o Deus da morte,
o Deus dos mortos, mas é o Deus dos vivos. Mas, o seguimento de Jesus comporta – não
só – mas também, prepararmo-nos para bem
morrermos, prepararmo-nos para, quando chegar a hora da nossa definitiva páscoa,
nós termos experimentado a misericórdia de Deus e não termos medo de
Deus. Lembrarmos naquela hora definitiva como Deus é bom e, então, lançarmos nos seus
misericordiosos braços. Para que
nós lembremos que Deus é bom na nossa definitiva páscoa, nós precisamos
experimentar dia a dia a bondade de Deus. Essa certeza de que Deus é bom tem
que estar no nosso cotidiano, nós temos que nos acostumar de tal forma com a
bondade, com a misericórdia de Deus que
nós então não temamos a morte. Enquanto nós não experimentarmos abundantemente, nesta cidade terrena, a misericórdia e a bondade de Deus, nós vamos ter medo da morte
e, tendo medo da morte,
nós não nos prepararemos para ela. Nós vamos sempre negá-la, nós vamos sempre
afastá-la do nosso coração e do nosso pensamento. Porém, chegará uma hora que nós não teremos pra
onde afastá-la, vai chegar uma hora em que ou nós nos lançamos nos seus braços
ou ela nos agarrará e nós não teremos outra saída.
Não
é que a morte tem uma palavra definitiva. Não! Nós acreditamos, pela Páscoa de
Cristo, que a Ressurreição é a Palavra definitiva, mas ninguém vai ressuscitar
sem passar pela morte, ninguém vai experimentar a eternidade da vida sem
experimentar no seu próprio corpo a caducidade da vida.
O
que é a caducidade da vida? A caducidade da vida é essa experiência que nós
fazemos todos os dias de olhar no espelho e descobrir um novo fio de cabelo
branco; de olhar no
espelho e descobrir mais um pé de galinha no canto do olho; de olhar no espelho e perceber
a barriga que antes era firme e
agora está despencada... Caducidade é a experiência da morte cotidiana, é a experiência
que nós negamos, mas que nós não podemos negar de que, desde que
nascemos, nós estamos
morrendo um pouquinho cada dia. Até o
dia em que nós morreremos inteiros para ressuscitar inteiros.
A
morte não pode ser para nós,
cristãos, um monstro! A morte deve ser, e isso é o ideal, o que era
para São Francisco, a irmã morte corporal. São Francisco assim cantava a morte: “Louvado
seja meu Senhor pela irmã morte corporal”. Porque ela nos dá a vida
verdadeira. Nós só viveremos de fato quando nós terminarmos de morrer.
Nós,
às vezes, invertemos a lógica, achamos que primeiro nós vivemos, depois nós morremos. Não é assim. Primeiro nós
morremos porque estamos morrendo desde que nascemos e, quando nós terminarmos de morrer, então, nós viveremos. Viveremos a eterna vida,
viveremos a vida de Deus.
Por
isso, eu queria provocar
vocês nesta primeira parte da nossa meditação a isso, a preparar a sua páscoa
definitiva.
Nós
estamos celebrando a Páscoa de Cristo e Cristo hoje avisa aos seus discípulos: é
nessa casa que eu vou comer a minha
última Páscoa. Nós não sabemos quando será a nossa última Páscoa. Pode ser essa. Podemos
nem chegar à noite da Páscoa. Mas, nós estamos nos preparando? Nós estamos
caminhando não para a morte, mas para a vida? Nós estamos enfrentando a caducidade de nossa
vida de modo a integrá-la no nosso viver? Eu dizia aos idosos e doentes, nesta tarde, e com isso termino esta
primeira parte da nossa reflexão,
que o melhor modo de prepararmos a nossa morte é abraçar a cruz. Quando
nós éramos jovens era tão bom! A
gente tinha tanta disposição! Vocês,
jovenzinhos, ainda têm,
mas isso logo passa. Daqui a pouco o joelho dói, daqui a pouco a coluna trava,
daqui a pouco o ombro já não responde como respondia antigamente, daqui a pouco
vem a sinusite, a artrite, a artrose, o reumatismo e tudo mais... E daqui a pouco, antes que
nós pensemos, antes que nós nos preparemos, nós estaremos pedindo a alguém: Você pode me levar à igreja porque eu já não
consigo ir sozinho? Você
pode me levantar dessa cadeira porque eu já não consigo me levantar sozinho? Você pode me ajudar,
me barbeando porque eu
não já consigo fazer sozinho?
A melhor forma de nós nos prepararmos para a nossa páscoa definitiva é abraçar a nossa cruz – e eu
dizia aos nossos idosos – sem que a nossa cruz nos azede. Porque isso é muito
comum, que quando nós começamos a experimentar os limites da vida, em vez de
nós nos adocicarmos, nós vamos nos azedando, nós vamos ficando pessoas amargas,
pessoas que não conseguem integrar a sua própria limitação. Então, vão ficando bravas, mal educadas, azedas. Vocês
não conhecem velhinhos assim? Vocês não conhecem doentes assim? Por quê? Porque nós precisamos
integrar a nossa limitação. É para
isso que nós nascemos. Nós nascemos para morrer, paulatinamente, e quando experimentarmos o
máximo da nossa limitação, quando já não conseguirmos vir à Igreja
nem sequer mais vivos, mas quando trazidos num caixão porque já não somos
capazes nem de pedir para nos trazer e nem de impedir que nos tragam, aí nós teremos experimentado
o máximo do nosso esvaziamento, como Cristo experimentou na cruz o máximo de
seu esvaziamento! Então – como diz São Paulo – nós poderemos deixar Deus ser tudo em nós. É
isso que nós queremos, é isso a Páscoa! Deus ser tudo em nós!
Mas,
enquanto nós formos tudo
em nós, não tem espaço para Deus. Como é que Deus vai ser tudo se eu sou o
orgulho em pessoa: eu faço, eu aconteço, eu não preciso de ninguém, eu é
que sei, eu é que mando? Aonde o “eu” é soberano, Deus se rebaixa e espera o
dia em que esse “eu” for
derrotado. Porque no caixão não tem mais “eu”; no caixão não dá pra gritar que eu não quero ir. Não tem mais isso. No
caixão, ninguém vai dizer
eu não sei o caminho; ninguém vai dizer isso no caminho. No caixão, o“eu”está morto para que Deus
seja tudo em nós!
Mas
é sábio, é sábio preparar-se
para esta experiência. O que não é sábio, é negar e dizer: Não! Vamos deixar
para lá. Quando ela vier a gente resolve.
A
nossa fé é um instrumento para que nós nos preparemos para a Páscoa definitiva.
É preciso, meus irmãos e minhas irmãs – por mais difícil que esta frase pareça –
é preciso aproveitar esta vida para aprender a morrer. É preciso aproveitar
esta vida para bem morrer porque a nossa salvação está em jogo até a hora da nossa morte. E é por
isso que nós rezamos sempre a Nossa
Senhora: Rogai por nós, pecadores, agora
e na hora de nossa morte. Porque naquela hora, a da nossa morte, nós
podemos perder ou ganhar a nossa salvação. Depois da nossa morte está tudo
definido, não há mais mudança, aquilo que é, é; aquilo que não é, não é. Para
que nós não corramos o risco de,
no desespero da nossa morte, porque não aprendemos a esperar e confiar na misericórdia de
Deus, nós percamos a nossa salvação.
Pratiquemos
a sabedoria, sejamos sábios, pensemos, rezemos, reflitamos e preparemos para
nossa morte, para o dia da nossa Páscoa definitiva».
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