No «Credo» proclamamos
que o ser humano Jesus, que nasceu e viveu num momento histórico documentado, é
o próprio Filho de Deus. Estamos refletindo (às vezes repetindo) sobre a
identidade divina de Jesus Cristo. Esta repetição patente no texto do «Credo» é
consequência das discussões que marcaram — e porventura ainda marcam — a
história da nossa fé cristã.
Para ajudar a
compreender melhor, leia:
- João 3,
16-21;
- Catecismo da
Igreja Católica, números 441 a 445
«Tanto amou
Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigênito, a fim de que todo o que
nele crê não se pereça, mas tenha a vida eterna» — esta afirmação de Jesus no
diálogo com Nicodemos destaca um tema muito presente no evangelho segundo João:
o carácter universal da obra salvadora realizada por Jesus Cristo. O ponto de
partida é o amor de Deus pelos seres humanos. Perante esta lógica divina, o ser
humano pode acolher ou recusar o amor de Deus Pai, que se revela na Pessoa do
Filho, Jesus Cristo. Aqueles que acolhem pela fé este amor divino encontram o que
ninguém pode alcançar pelas suas próprias forças: a vida eterna, isto é, a vida
em Deus. E recebem o «poder de se tornarem filhos de Deus» (João 1, 12). Diz
o Papa Bento XVI: «A nossa verdadeira ‘genealogia’ é a fé em Jesus, que nos
dá uma nova proveniência, nos faz ‘nascer de Deus’» (Bento XVI, «Jesus de
Nazaré. Prólogo — A infância de Jesus»).
Filho Unigénito de Deus
Esta proclamação reforça a identidade divina de Jesus de Nazaré.
Dissemo-lo na catequese anterior na explicitação dos títulos de «Senhor» e
«Cristo». Voltamos a referir esta identidade divina no título de «Filho
Unigênito de Deus». E vamos repeti-lo nas próximas expressões. Eis a
fórmula completa: «Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de
Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, Luz da Luz, Deus
verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial ao Pai». O
Símbolo dos Apóstolos é mais sintético: «[Creio] em Jesus Cristo, seu único
Filho, Nosso Senhor». Para explicitar o tema que ocupa esta reflexão —
«Filho Unigénito de Deus» — é importante começar por perceber que,
historicamente, «filho de Deus» não se trata de uma afirmação atribuída
pela primeira vez ou apenas a Jesus. Vários povos e culturas utilizavam este
título («filho de Deus») para designar alguém que gozava de uma especial
relação com a divindade. Em primeiro lugar, é uma expressão que tem origem na
teologia política do antigo Oriente. No Egito, por exemplo, o rei era chamado
«filho de Deus»; e «o ritual da entronização era considerado como a sua
‘geração’ como filho de Deus» (Bento XVI, «Jesus de Nazaré»). O povo de
Israel vai assumir e transformar esta terminologia. São várias as narrações
contidas no Antigo Testamento que testemunham esta apropriação do termo por
parte do povo bíblico. Mas, ao contrário dos outros povos, em Israel, o rei é
fruto de uma eleição divina (e não de uma geração). Em rigor, não é o rei que é
designado como «filho de Deus», mas todo o povo hebreu. Mais tarde, os
primeiros cristãos apoiam-se nesta cultura judaica para a dizer plenamente
realizada em Jesus Cristo. Mas, agora, na cultura cristã, «a expressão
‘filho de Deus’ separa-se da esfera do poder político e torna-se expressão de uma
união particular com Deus, que se manifesta na cruz e na ressurreição» (Bento
XVI, «Jesus de Nazaré», 416). E há ainda outra clarificação a fazer. Entre
os romanos, é o próprio Imperador que se autoproclama «filho de Deus».
Numa mesma época histórica e geográfica (convém lembrar que os primeiros
cristãos vivem sob o domínio do Império Romano), gera-se o conflito e a colisão
entre os súbditos romanos e os cristãos, quanto ao destinatário do título de
«filho de Deus». Entre outros motivos, torna-se assim necessário para os
primeiros cristãos exprimir e reforçar a divindade de Jesus através do recurso
a vários títulos e expressões, que mais tarde hão de ficar gravadas no
«Credo». O que para nós, cristãos do século XXI, pode parecer uma mera
repetição de palavras e expressões não o foi nos primeiros tempos cristãos e
aquando da elaboração do «Credo».
«O título Filho
de Deus revela e indica a relação única e eterna de Jesus com Deus Pai.
Reconhecendo o carácter transcendente da filiação divina de Jesus, mostra-se
também o carácter inclusivo: também os homens se tornam ‘filhos de Deus’ e
rezam a Deus (‘meu Pai e vosso Pai’, diz Jesus) com as palavras do Mestre: ‘Pai
nosso’» (Rui Alberto, «Eu creio, Nós cremos. Encontros sobre os fundamentos da
fé», ed. Salesianas, Porto 2012, 106).
(adaptado do www.laboratoriodafe.net)
(adaptado do www.laboratoriodafe.net)
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